Após completar o Ensino Médio, eu nunca pensei em não cursar uma Universidade. As pessoas me perguntavam “que curso?” e hoje, após ter concluído um curso superior, percebo que a educação formal nunca foi o centro da minha vida. Ela não me deu as ferramentas e a liberdade que eu precisava para ser um humano mais completo, mas eu nunca deixei de buscar isso tudo. A minha ansiedade naquela época de terceirão, me levou a aplicar para medicina, engenharia, direito e biologia e para mim, isso é um indicativo de que o curso pouco importava. Eu queria a experiência de estar em uma universidade. Ser tratada como adulta, fazer escolhas mais arriscadas, me sentir livre para conduzir minha vida e decidir como eu aprenderia.

Me decidi por Biologia após participar da maior feira de ciências do Brasil, a Feira Brasileira de Ciências e Engenharia da USP e ansiar por ser pesquisadora. Na Universidade encontrei muitas paixões, entre elas o Movimento Empresa Júnior (MEJ) que me levou a co-fundar a ECOS Empresa Júnior de Biologia da UFPR, o meu laboratório de desenvolvimento por mais de 3 anos. Me tornei determinada a expandir minha experiência empreendedora dentro de uma grande empresa no futuro e conciliar com a geração de conhecimento que impactasse a sociedade. Algo que eu muito procurava, era fazer um intercâmbio acadêmico e quando o programa Ciência sem Fronteiras foi lançado em 2012, eu embarquei para a Alemanha logo no primeiro edital. Sempre gostei de tudo relacionado à vida, mas estudar Evolução e Biodiversidade me pareceu a perfeita oportunidade de descobrir coisas novas e começar uma carreira acadêmica em outro país. Eu tinha traçado para mim um caminho cheio de planos, metas e objetivos e me sentia muito segura com isso, o que para mim era essencial.

No instituto onde estudava, comecei a fazer disciplinas modulares muito interessantes, ricas em projetos práticos, trabalho em equipe, discussão, artigos e oportunidades de conversar com os próprios autores sobre os seus trabalhos. Eu estava muito empolgada e grata por ser uma bolsista do governo, querendo retribuir o investimento que recebi com altas notas e um comportamento exemplar. De uma hora para outra, eu parei de aprender. Minha mente voava alto durante os seminários, palestras e discussões, eu me forçava a sentir interesse por cadeias de reações enzimáticas e proteínas identificadas por letras e números, temas pelos quais eu não sentia a menor afinidade. Enquanto isso, a vontade de fazer trabalhos científicos para o benefício dos que não são ouvidos aumentava. Ao meu ver, eles são quem mais precisa da ciência e dos frutos do talento das pessoas mais afortunadas. O tempo passava e eu ficava mais desconfortável e irritada com o conteúdo das disciplinas, o que provocava em mim uma grande culpa. Eu me encontrava em um ambiente de grande cooperação, uma estrutura de pesquisa invejável e cercada por pesquisadores de ponta que eu tanto admirava e me espelhava, o que mais eu poderia querer?

Rapidamente, eu entrei em uma profunda crise emocional. Eu estava longe de casa, imersa em uma cultura muito diferente e não estava consciente sobre o que se passava comigo. Eu estava dividida entre a felicidade de estar lá e o desconforto de saber que o patrocínio científico é cheio de interesses. O que eu sabia é que não queria me envolver com industrias farmacêuticas, de alimentos ou agronegócio cujas práticas eu não concordava e que são os maiores patrocinadores da ciência. Comecei a trocar ideias com as pessoas e logo ficou claro que elas não concordavam com os meus pontos, me criticavam e muitas vezes perdiam a empatia por mim. Felizmente, encontrei outras que nem sempre concordavam, mas me enxergavam e queriam ajudar – se tornando meus mentores. Comecei a entender cada vez mais de ciência por a estar pesquisando, entendendo seu funcionamento, seus dogmas, métodos e pressupostos, a necessidade de se publicar em massa para alcançar status e ser ouvido como pesquisador, o treinamento científico que neutraliza importantes dimensões do ser humano que somos – tudo me interessava e eu queria ter uma vista de cima. Comecei a ouvir a voz de outras pessoas através da internet, descobrir as ciências da complexidade de Morin, explorar a física quântica, a ecologia profunda, aprender de paradigmas e revoluções com Kuhn, sobre o fenômeno da vida com Capra, Maturana e Varella. Logo o meu coração e minhas intuições se tornaram o melhor filtro de conteúdo, em meio a um oceano de informações lógicas que fazem sentido, mas não necessariamente tem um compromisso com a consciência que eu queria manifestar, com o mundo que quero cocriar.

Quando a ciência convencional começou a não me dar mais respostas satisfatórias, eu comecei a agradecer. Agradecer por ela existir, ser conservadora, materialista e reducionista mas por termos amadurecido a ponto de não precisarmos mas restringi-la a isso, agradecer por ter levado um tombo naquele momento e não muito mais tarde, agradecer por não ser a primeira a ter reparado nisso e poder me apoiar em ombros de gigantes. Por outro lado, isso me trouxe muita insegurança por não saber lidar bem com a ideia de “não saber o que querer ou fazer da vida”, porque afinal de contas isso nunca aconteceria comigo. E percebi ser assim com muita gente, nós não nos damos o direito de responder “eu não sei” sem encaixar um “mas acho que…”, de descansar a mente fazendo uma meditação, relaxamento ou de não saber quem se é e o que quer da vida.

Voltei para o Brasil faminta por encontrar os livros e pessoas que estavam aplicando aquilo que eu estava aprendendo e começando a viver. Eu procurava a minha tribo e me sentia tão na contramão da maioria dos “colegas de profissão”. Conheci poucos e maravilhosos professores que me entendiam e incentivavam, ansiei por me desconstruir e renascer fênix algum dia, sabendo que o processo não seria rápido. Entrei no JPD, procurando um ambiente de trabalho em equipe, inovação, exploração e amadurecimento e acabei entrando para uma espécie de “Rede de Agentes de Mudança”, que não tem nome nem rótulos mas que é muito real. Eu pude compartilhar o que se passava comigo e encontrei um pedaço de mim dentro de cada colega, mentor, coach, facilitador, tive a dádiva de aprender sobre conexões humanas, sobre o campo mórfico do qual todos somos parte, dei de cara com muitas de minhas crenças mais limitantes. Foi uma expansão de consciência rápida e um aquecimento enorme do coração, que me fez maravilhas ao conectar minha mente, às minhas mãos e coração.

Algo importante que eu tirei disso tudo é que muitos de nós ansiamos pela mudança, mas não damos permissão para que ela aconteça. O medo nos paralisa, a necessidade de controle e previsão do que vem em seguida nos afasta dos nossos maiores sonhos. A incerteza é um lugar desconfortável, mas não precisa ser assim. E se nos permitirmos não saber o que queremos, não controlarmos o que fazemos? É possível atingir os resultados esperados todo o tempo? Minha pergunta começou a ser “o que a vida quer de mim?”. Ao me enxergar como ferramenta, comecei a ter a vontade de me colocar a serviço para que algo de maior, além da minha compreensão pudesse acontecer. Isso tudo depende de prática, resiliência, determinação, permissão e talvez um pouco de coragem. Eu não faço ideia de onde isso vai dar e a dinâmica que eu conscientemente escolhi é essa mesma, a de não tolher possibilidades. Afinal, aquilo que é droga também pode nos curar e somos parte de um Universo de infinitas possibilidades e de um mundo de 7 bilhões de realidades coexistentes 🙂

 

Rafaela Scheiffer é uma “holista crônica” que experimenta sua viagem pela Terra sempre a partir de uma perspectiva “macro” e ultrassensível. Além da Alemanha, Índia e outros países de passagem, sua busca a fez estudar de biologia ao biomimetismo, da física quântica ao hinduismo . Protetora da vida por profissão e essência, acredita em um mundo mais colaborativo e em todas as maravilhas que podem emergir disso. Escreve no blog http://environmentholistic.com/quem/