Um dos comentários mais comuns em nossas vidas ultimamente é: não consigo conversar com meus familiares e amigos sobre política – ao menos que eles pertençam ao mesmo grupo político que o meu. Pois é, as relações estão extremamente polarizadas e, no fim, ninguém aguenta mais falar da situação pela qual o Brasil passa. Isso não é dolorido? Mais do que isso, pode ser esperançoso.
Agora, você já parou para pensar por que vivemos essa polarização? O que nos leva a crenças tão arraigadas e fortes? O que nos impede de dialogar? Como estamos acessando conteúdos livres, tendo tanta coisa à disposição na internet, e, ainda assim, nos entendendo menos?
Vamos pensar na bolha
Não sei se você já percebeu, mas vivemos em bolhas – e o ambiente virtual comprova isso. O problema é que quando a gente chega em bolhas diferentes das nossas (alô, grupo da família!), os contextos mudam. Mas por que só certos assuntos chegam até mim? É que assim como acontece dentro do Google, Youtube e quase todas as outras redes sociais da atualidade, no Facebook o conteúdo que chega até o usuário é selecionado através de um algoritmo, que filtra o conteúdo bruto de acordo com certas preferências do usuário.
Como temos a tendência de nos engajarmos mais em publicações que reafirmam o que pensamos, o Facebook vai passar a mostrar mais daquilo que você gosta e menos daquilo que você não gosta e não concorda também – passando uma sensação equivocada da realidade.
Um dos problemas disso? Bom, as formas como produzimos, compartilhamos e comentamos conteúdos que geram fatos polarizantes, sejam eles verdadeiros ou falsos, que por sua vez aumentam o repertório de argumentações que sustentam o debate em torno de duas histórias, ou as minhas contra as suas verdades. Quando você está em um ambiente que confia, em que se sente confortável para acreditar também nos conteúdos que chegam até você, é comum que não sinta a necessidade de verificar a procedência dos fatos. Com isso, acabamos tendo uma visão errada sobre os fatos e, pior, espalhando isso. Ah, vale dar uma olhada em sites como a Agência Lupa, Aos Fatos e Truco, que se comprometem com a verificação das notícias.
Mas e se pudéssemos viver e contar uma nova história da nossa sociedade que supere as dualidades compreendendo que podemos encontrar pontos em comum?
“A New Story of the People” examines the role that stories play in how we think about ourselves and each other and offers a glimpse at a new emerging story that can help bring about a more sustainable world. Charles Eisenstein.
Para além do mundo virtual
Como nem só de Facebook a gente vive, é preciso pensar nas consequências da polarização além da rede. Por isso, é preciso olhar para algumas perspectivas e entender porque, cargas d’água, estamos assim divididos ao extremo.
Nas pesquisas, me deparei com Jonathan Haidt, que escreveu The Righteous Mind: Why Good People Are Divided by Politics and Religion (“A mente justa: Por que boas pessoas são divididas pela política e pela religião”, numa tradução livre). Ele é filósofo e psicólogo moral, e afirma que, de fato, somos muito menos racionais do que gostaríamos de acreditar.
Nesse caso, é a intuição que dá as cartas – a razão apenas corre atrás. Assim, se você apresenta um problema moral a um indivíduo, ele dará sua opinião e a justificará com um argumento. Mas se você mostra que o motivo por ele apresentado não é válido naquele caso, ele pensa num motivo novo para manter sua linha de raciocínio. Ou seja, as pessoas não estão se ouvindo ou cumprindo a escuta ativa – estão pensando no próximo argumento, ao invés disso.
A questão é que Haidt vê a esquerda e a direita como yin e yang, cada um contribuindo com insights aos quais os outros deveriam ouvir. Ele acredita no poder da razão, mas o raciocínio precisa ser interativo. Tem de ser a razão de outras pessoas dialogando com a nossa. Até porque, como mostra o estudo, somos péssimos em desafiar nossas crenças, mas somos ótimos em desafiar a dos outros. Haidt compara a possibilidade de diálogo a imagem de neurônios em um cérebro gigante, capaz de “produzir um bom raciocínio como uma propriedade emergente do sistema social”.
E isso tudo tem a ver com moral. Para ele, a razão pela qual republicanos e conservadores ganham mais as eleições nos EUA é porque eles apelam para uma fama maior de impulsos morais do que os partidos de esquerda. Haidt afirma que, trabalhamos geralmente com cinco receptores morais básicos: os que se referem ao cuidado, à justiça, à lealdade, à autoridade e à santidade. (Esses termos variam: “pureza” substitui “santidade” em um site co-fundado por Haidt, yourmorals.org, que, após um teste simples, permite que você veja como você marcou em comparação com liberais ou conservadores. Experimente – é a base da pesquisa que entrou neste livro.)
E aí, o que pode ser feito?
Bom, o exemplo e o conselho que ele nos dá é: procurar entender o outro lado, buscar partir de uma base de valores comuns, para então estabelecer o diálogo. Sair da bolha! Esse exercício de empatia não só nos ajuda a comunicar (e, quem sabe, convencer) melhor nosso interlocutor, como também nos abre para sermos nós mesmos transformados, e daí quem sabe enxergar uma gama maior de pessoas como partes de nosso próprio grupo.
Parece pouco? Bom, só tentando para ver o que acontece. Aliás, o que você acha da teoria de Haidt? Lembrando que ela é bem mais complexa, foi só pincelada aqui.
Quer saber mais sobre o assunto:
Haidt fundou a organização Civil Politics, onde aborda o tema, dá várias opções de leituras e ações.
E aqui o ted onde ele fala sobre a teoria (com legenda em português):
Camila Petry Feiler