O jornal Gazeta do Povo divulgou hoje, 2 de Maio, uma matéria que traz os resultados de um levantamento realizado pelo Paraná Pesquisas a respeito dos protestos de rua que aconteceram em julho do ano passado. Um dos entrevistados para a reportagem foi o Diego Baptista, nosso Fundador e Secretário Geral.
Durante a conversa com a jornalista, alguns insights interessantes surgiram. Confira a entrevista com a jornalista Katna Baran na íntegra:
“É um novo patamar de ética, transparência, prestação de contas e participação em processos de governança que inclui a extensa representação dos diferentes atores (…). E a sociedade tem se mostrado disposta e capaz de se auto organizar para propor, testar e legitimar novas formas de participação que no longo prazo transformarão a cultura política e o nosso sistema democrático.”
Como surgiu seu interesse em participar de causas políticas e sociais? Quais os projetos em que atua?
Surgiu pela minha responsabilidade como cidadão e profissional, de perceber que os meus conhecimentos, talentos e energia devem ser utilizados para melhorar a qualidade de vida de onde vivo e trabalhar para o bem comum. Desde então me envolvi na compreensão e participação de políticas internacionais principalmente relacionadas ao desenvolvimento sustentável e ao papel da juventude. Localmente participei dos processos de Conferência da Juventude que culminou na criação do Conselho Municipal da Juventude em Curitiba. Depois disso me envolvi mais ativamente no processo de articulação de diálogos democráticos entre os diferentes setores e atores da sociedade para a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a RIO+20. Tendo como resultado a criação do Comitê Paranaense da RIO+20 formado pelos principais grupos de interesse, a Mobilização da Juventude Brasileira para a RIO+20 e a participação na conferência dentro do Grupo da Juventude Internacional e das ONGs como delegado. Atualmente tenho me dedicado à formação de jovens profissionais que estejam aptos a se engajar e articular soluções para as principais questões globais e na promoção do desenvolvimento local e da governança democrática.
A partir do seu engajamento, pelo que percebi, houve o interesse em estudar a participação política mais a fundo. Pelo que você tem de bagagem (de conhecimento e experiência), tem sentido que a participação popular em movimentos políticos e sociais tem aumentado?
Sim, tem aumentado e se modificado, o que é natural na evolução histórica e cultural. Mas, ao mesmo tempo em que tem aumentado, ela tem também se diversificado, muitas vezes fragmentada e dispersa, faltando clareza propositiva e efetiva. Muitos dos manifestantes foram levados pelo sentimento de indignação ou pelo clamor em massa, mas não necessariamente munidos de conhecimentos dos instrumentos e mecanismos de participação ou mesmo dos fundamentos básicos de cidadania e democracia. Ou seja, a estagnação cultural cívica e o baixo incentivo à educação para a cidadania faz com que muitas vezes uma maioria manifestante não tenha informações e conhecimentos além do senso comum, para que possam compreender as diferentes lógicas de construção política, das relações de poder e interesse entre atores, até mesmo no embate construtivo que possam convergir ao bem comum de fato. Isso leva também a uma certa desintegração das pautas reivindicadas, em outros casos, no entanto, a visão de coletivos e redes que integram bandeiras e pautas com uma visão comum também começa a surgir, sem perder a necessária individualização das demandas, o importante é compreender suas complementaridades e interconexões. É nesse padrão de redes que os novos movimentos devem ser estruturados, e não mais na visão institucionalizada e formalizada dos tradicionais movimentos. Se os desafios políticos e sociais são mais complexos, assim tenderão a serem as formas de organização e interação que visem contribuir para um novo sistema de participação. Mas também tornar a complexidade das demandas e relações mais simples para atingir a todas as camadas da população. Há principalmente que se libertar dos padrões do passado, aprendendo e valorizando nossa construção histórica, e principalmente pensando e agindo de novas maneiras para além da tradicional e convencional forma de participação e de fazer política. Se os governos e movimentos não se reinventarem de forma conjunta, estaremos fadados a um caos estrutural e choque cultural. Esperamos que as crises e situações caóticas sejam de fato os pressupostos das reformas necessárias. Temos que ter uma coabitação dos velhos modelos na conformidade dos novos anseios, para criarmos juntos um novo modelo.
Os instrumentos de participação estão mais variados?
Sim e não. Por um lado temos uma proliferação de novas formas de participação, impulsionadas principalmente pelas tecnologias da informação e comunicação e pelo acesso ao conhecimento. Presenciamos um indício de expressão política cotidiana com um aparente aumento da politização dos cidadãos, mas que não significa uma cidadania ativa ou uma democracia direta e real, embora essa seja a tendência. Cada vez mais descentralizada, a participação esta sendo incentivada por estruturas informais e espontâneas ou formais com a iniciativa da administração pública. Plataformas virtuais de participação também aumentaram e mesmo sistemas de consulta online, até o já exigido portal de transparência, todas como formas de participação e controle social. A formação de redes de participação intersetorial ou da sociedade civil também tem sido corrente em torno de causas que congregam diferentes movimentos ou buscam objetivos compartilhados. E essa dinâmica deve se intensificar também, principalmente com o incentivo da criação de inovações na participação e no empreendedorismo público e cívico. Mas sendo instrumentos novos, muitos ainda carecem de validação e articulação com os processos institucionais formais, demandando maior investimento na avaliação e efetividade desses instrumentos. Por outro lado, os tradicionais instrumentos precisam também de uma transformação cultural. Muitos estão viciados e cooptados por jogos de poder e interesse que não representam mais o interesse coletivo da sociedade, e sim o interesse coletivo de determinadas elites políticas e atores convencionais. Pela falta de participação nos tradicionais instrumentos, eles são utilizados pelos que tem interesse na manutenção do poder, e poucos de fato representam e defendem os anseios da sociedade de forma justa e igualitária. A sociedade há que recuperar o seu papel de detentor de direitos e deveres compreendendo que delegou aos seus representantes a função pública e agora devem cobrar o retorno necessário e apoiar a execução das ações de bem comum. É um novo patamar de ética, transparência, prestação de contas e participação em processos de governança que inclui a extensa representação dos diferentes atores em detrimento do ato de governar que pressupõem o poder e a centralização.
Há, no Brasil, uma impressão de efervescência dos movimentos de participação popular, principalmente após os protestos do ano passado. Em sua opinião, isso deve continuar?
Evidente que sim, pois a transformação política, social e cultural ainda está acontecendo e a sociedade vai cada vez mais incrementar suas capacidades e estratégias. Mas o inverso também é verdadeiro. Quando as estruturas de poder começam a se abalar existe resistência, pode-se então presenciar um poder de polícia despreparado, a manipulação nos protestos para a acusação de violência e vandalismo ou até mesmo uma desmoralização de movimentos. Além de jogos manjados de adiamento de votação de pautas importantes e o batido embate situação e oposição, direita e esquerda, que tendem a reagir sempre que se sentem afrontados e dão continuidade na defesa ideológica ao invés da defesa da coesão social. Há também que se notar que muito da efervescência é emocional causada por momentos de crise, escândalos ou perdas diretas que se juntam a um clamor massivo, que pode ser amenizado assim que a tempestade passa. E a partir dai se fragiliza por ser pontual e pelo retorno a normalidade pós protestos no regresso à vida pacata e conformada, como um modismo passageiro. Poucos desses que “lutam” ou foram para as ruas dão continuidade nos movimentos, muitos novos se agregam e iniciam sua trajetória de participação ativa e é esse o esforço necessário. Intensificar que a participação seja de fato cotidiana e contínua, como parte integrante da vida de cada um, de forma acessível, aberta e inclusiva. Além da massa que depois de protestar voltam à normalidade, existe uma massa que não tem condições básicas para exercer sua participação. Ampliar os canais e instrumentos de participação, democratizar e capacitar a participação são passos fundamentais para que o gigante não volte a dormir. E a sociedade tem se mostrado disposta e capaz de se auto organizar para propor, testar e legitimar novas formas de participação que no longo prazo transformarão a cultura política e o nosso sistema democrático.